"... as pessoas que, perante dificuldades inesperadas, deixem de ter os meios de subsistir por eles próprios, isso só é valido para um amputado de todos os membros, cego, surdo e mudo em simultâneo, com trisumia 21 ou com paralisia cerebral em último grau, de resto qualquer pessoa está capacitada para trabalhar e fazer por si e pela familia. ..."
Esta foi a opinião "sustentada" de uma cidadã com formação superior, exposta num fórum do Económico do Sapo. Os aleijados que trabalhem, a menos que estejam com um pé na cova e o outro a entrar. Isto a propósito de António Saraiva, presidente da CIP, ter manifestado a sua convição de que os salários deveriam ser reduzidos. E eu a pensar que já vi de tudo!
Concordo que haja mobilidade no setor do estado. Quem o tem como patrão, tem que se sujeitar a pontuais mudanças que sejam necessárias.
Não concordo é com abusos laborais que em alguns casos são praticados.
"O Meu Testemunho"
O estado é a minha entidade patronal.
Levei alguns anos para chegar perto da localidade onde resido.
Progredi na carreira no meu serviço, que por motivos profissionais não irei referir diretamente, e tendo sido promovido, fui remetido uma vez mais para longe, coisa de pouca monta a rondar os 480 km de distância! Durante os quatro anos seguintes, foi-me imposta a deslocação para seis locais distintos, todos em zonas do país distantes entre si, e distantes da minha residência. Conheço Portugal como poucas pessoas, pois não passei simplesmente de passeio pelos locais, mas sim residi em cada um deles por largos periodos.
Na altura que era suposto ser deslocado para uma distância razoável (até cerca de 120 km) da minha localidade, a minha entidade patronal remete-me para um local que dista uns meros 385 km!!! Sou informado de que terei que ficar por lá durante mais um ano. Quatro dias após o meu advento à nova casa, sou informado que afinal é possível que por lá tenha de ficar dois anos!!!
Nos derradeiros quatro anos a minha esposa ficou sozinha em casa, a cuidar sozinha de duas crianças. O apoio da cônjuge para a progressão na carreira e consequentemente na qualidade de vida foi total de início, mas ninguém era capaz de prever estas condições de tráfico laboral que se iriam seguir. Aos quatro anos juntam-se, para já, os próximos dois. Seis anos de uma mulher de coragem a viver como mãe solteira, a lutar sozinha pelo seu emprego e pelo bem estar dos seus rebentos. Seis anos em que a filha mais velha ganhou consciência para perguntar o porquê do pai se encontrar sistematicamente ausente durante largos periodos. Suficiente para desestabilizar uma infância normal.
Valeu o esforço monetariamente? Não. Desde que saí de casa fui promovido duas vezes, algo que nem todos alcançam. O mérito da façanha e do enorme sacrifício familiar foi quantificado em aproximadamente €250 a mais no ordenado estatal. Por entremeio destes anos, dispendi aproximadamente por mês €300 em deslocações para "visitar" de longe a longe a minha família, por meros dois a quatro dias (era só acumular semana a semana a única folga semanal a que tenho direito, apesar de estar todo o dia no local de serviço, típico de quem vive sem ter mais nada presente). Os gastos extraordinários não se limitam às viagens, pois sustentar uma vida fora de portas tem custos acrescidos, tais como a alimentação por exemplo. Gasto mais devido ao afastamento do que o valor em que fui aumentado!!! Se tudo isto ao menos fosse compensado economicamente, com uma real melhoria no rendimento... Tenho prejuízo em relação a se nunca tivesse mexido uma palha.
Portugal meu país, explica-me o que tenho eu andado a fazer? Explica-me como vou eu explicar à minha esposa e às minhas filhas que apesar de tudo ainda tenho que ficar ausente por pelo menos mais dois anos.
Se perguntas porque não levo a família comigo, eu pergunto quem me paga o crédito contraído ao banco para adquirir um tecto, quem empregará nestes tempos de crise a minha esposa caso ela se demita do seu emprego para me acompanhar, quem garante que seis mudanças de residência em quatro anos não afectará as minhas filhas?
É assim que valorizas o empenho e a dedicação do teu povo?
Após tanto tempo e sacrifício, estou no limiar da minha compreensão. Após tornar-me num elemento de reconhecido valor laboral, de adquirir competências específicas para a minha área, e poder exercer como poucos uma atividade necessária a todos os cidadãos, considero seriamente demitir-me. Entendo perfeitamente a posição precária deste país, entendo o elevado índice de desemprego, mas atingi o limite. Somos seres de carne e osso apesar de sermos tratados como meros números. Precisam de nós mas tudo fazem para nos escorraçar. Onde está a dignidade mínima que se exige?
O mundo precário assusta qualquer pessoa, pois todos precisamos de trabalhar para poder viver condignamente.
Mas acredito que há mais na vida do que esta nova escravidão, este maldito tráfico laboral do capitalismo.
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