Faleceu recentemente o irmão do meu sogro, ambos sessentões.
Eram muito próximos um do outro, pelo que o meu sogro sofreu bastante com a perda. Ele é uma pessoa reservada, não deixa transparecer facilmente o que sente, pelo que sonegou a dor em si.
A minha filha, sua neta, tem sete anos e frequenta a catequese da igreja católica da freguesia. A questão da fé de cada um é algo pessoal e íntimo. Quer seja uma fé monoteísta ou politeísta, quer valorize determinados princípios ou outros perfeitamente opostos, a fé diz respeito a cada ser humano na sua esfera individual.
No caso da Lara, além da questão do legado da crença e da cultura dos seus progenitores, que a mesma mais tarde poderá acolher ou não, há uma indelével transmissão de valores morais e cívicos de atuação em sociedade que são adquiridos na catequese.
Hoje em dia sobressai cada vez mais nas pessoas a ausência deste fio condutor no comportamento generalizado, em particular no caso dos mais jovens.
Não obstante eventuais divergências de opinião sobre o supracitado, o que me surpreendeu e levou a partilhar convosco o seguinte, foi uma situação ocorrida.
Dois dias após o funeral, a menina, incentivada pela mãe, telefona para o avô para que este se animasse um pouco ao falar com a neta.
- Que foi avô? Estás triste?
- Estou.
- É por causa do teu irmão ter morrido?
- Sim, é.
- Mas olha, ele não está morto.
- Não está?
- Não, ele está vivo dentro de ti. As pessoas de quem nós gostamos estão sempre vivas dentro de nós, tal como a tua mãe ou o teu pai.
Cerca de meia hora após o telefonema, uma tia da menina que reside com o avô, telefona de volta. Questiona a mãe acerca do conteúdo da conversa que a menina teve com o avô. Disse que após a chamada, o avô sentou-se à mesa para jantar e começou a chorar. Aquele homem, duro e controlado, que nem durante o funeral tinha derramado uma só lágrima, encontrava-se agora à mesa a chorar em frente aos restantes membros da casa. Perguntado qual o motivo, o mesmo disse que de todas as pessoas que falaram com ele após o falecimento do irmão dando condolências, nenhuma tinha dito palavras tão comoventes e bonitas como as da menina.
Muitas vezes não dizemos francamente o que sentimos, o que realmente pensamos. Por vezes há quem precise simplesmente de ouvir a verdade, ou de ouvir algo que faculte algum conforto e alívio, ainda sabendo que não passam de meras palavras. E esse é o dom das crianças. A puerilidade desinibidora que as crianças ostentam é uma das suas grandes virtudes, que infelizmente consome-se com o passar do tempo até desvanecer completamente.
Não é normal a Lara ter este género de conversa. É um elemento estranho ao ambiente em que está inserida. Tal só poderia ter surgido por frequentar a catequese. Mas uma criança que parecia que apenas ia à catequese para passear e estar com as amigas, sem que prestasse ainda qualquer atenção aos assuntos abordados, surpreende agora pessoas adultas com diálogos que a transcendem.
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